O encontro com Ângelo

Então ele parou e voltou-se para olhar os que estavam nos tronos próximos de nós. Ainda nos encontrávamos no lugar onde os reis de posição mais elevada se sentavam. Reconheci então ali um homem que estava por perto.

– Meu senhor, creio conhecê-lo de algum lugar, mas não me recordo de onde.

 – Certa vez você me viu numa visão – respondeu ele.

 Imediatamente então me lembrei, e fiquei chocado!

 – Quer dizer que o senhor era uma pessoa real?

 – Sim – respondeu.

 Então me veio a memória o dia em que, quando eu era um jovem cristão, eu tinha me frustrado por causa de certos acontecimentos em minha vida. Eu tinha ido até o meio de um enorme parque nas redondezas do meu apartamento, disposto a esperar até que o Senhor falasse comigo. Enquanto lia a minha Bíblia, fui tomado por uma visão, uma das primeiras que tive.

 Na visão vi um homem que com muito zelo servia ao Senhor. Ele estava sempre dando testemunho de sua fé para as pessoas, ensinava e visitava os doentes para orar por eles. Ele era muito zeloso em relação ao Senhor, e tinha um genuíno amor pelas pessoas. Então vi um outro homem que só podia ser um vagabundo, um desabrigado. Um gatinho foi de encontro a ele em seu caminho e ele fez menção de que ia chutá-lo, mas conteve-se; contudo com o pé empurrou-o com certa rispidez para fora do seu caminho. Então o Senhor me perguntou qual desses dois homens O agradava mais.

 – O primeiro – disse eu sem hesitação.

 – Não – disse Ele – quem mais me agradava era o segundo.

 E o Senhor passou então a contar-me a história de cada um deles.

 O primeiro homem tinha sido criado numa maravilhosa família, que sempre conhecera o Senhor. Ele cresceu freqüentando uma próspera igreja, e depois cursou um dos melhores seminários bíblicos. A ele tinham sido dados cem porções do amor do Senhor, mas ele estava usando apenas setenta e cinco.

 O segundo homem nasceu surdo. Ele foi abusado e posto num sótão escuro e frio até que foi encontrado pelas autoridades quando tinha oito anos. Ele passou então de uma instituição para outra onde os abusos cotinuaram. Finalmente ele foi despejado na rua. Para vencer tudo isso o Senhor lhe havia dado apenas três poções do seu amor, mas ele fez uso  de tudo que havia recebido para vencer a raiva em seu coração, deixando de machucar o gatinho.

 Agora eu olhei para aquele homem: ele era um rei assentado num trono muito mais glorioso do que até mesmo Salomão poderia ter imaginado. Hostes de anjos estavam de prontidão ao seu redor para fazer o que ele ordenasse. Voltei-me para o Senhor em temor.  Eu ainda não conseguia acreditar que ele era um homem real, e muito menos que era um dos grandes reis.

– Senhor, conta-me, eu peço, o resto da história desse homem – supliquei.

 – Pois não, é para isso que estamos aqui. Ângelo era tão fiel com o pouquinho que Eu lhe havia dado que lhe dei três porções adicionais do meu amor. Então ele as usou para deixar de furtar. Ele quase morreu de fome, mas recusou-se a tomar qualquer coisa que não lhe pertencesse. Ele comprava o que comer com o dinheiro que ganhava pegando garrafas, e às vezes por encontrar alguém que lhe dava trabalho de jardinagem para fazer. Ele não ouvia, mas tinha aprendido a ler, e assim lhe enviei  um folheto evangelístico. Quando o leu  o Espírito abriu o seu coração, e ele me deu a sua vida. De novo dobrei as porções de meu amor e fielmente ele as usou todas. Ele se dispôs a me compartilhar com outras pessoas, mas ele não falava. Muito embora  vivesse em tal estado de pobreza, passou a gastar mais da metade do que ele ganhava com folhetos evangelísticos, que ele distribuía pelas esquinas.

 – Quantos ele levou ao Senhor? – perguntei, achando que deveriam ter sido multidões, para que ele viesse a assentar-se com os reis.

 – Apenas uma pessoa – respondeu o Senhor. Para encorajá-lo, permiti que ele me levasse um alcoólatra que estava morrendo. Isso incentivou-o tanto que teria permanecido naquela esquina por muitos anos mais, apenas para levar mais uma alma ao arrependimento. Mas todo o céu estava me suplicando para trazê-lo para cá, e eu, também queria que ele recebesse o seu galardão.

 – Mas o que fez ele para tornar-se um rei? – perguntei.

  Ele foi fiel com tudo que lhe foi dado, ele venceu tudo até que se tornou como eu, e morreu como um mártir.

  – Mas como ele venceu, e como foi ele martirizado?

 – Ele venceu o mundo com o meu amor. Bem poucos foram os que venceram tanto com tão pouco. Muitos que fazem parte do meu povo vivem em casas que seriam invejadas por reis de um século atrás, apenas por questão de conveniência, mas não as apreciando, ao passo que Ângelo de tal forma se alegrava com uma caixa de papelão numa noite fria que ele a transformava num glorioso templo da minha presença. Ele passou a amar a todos e a tudo. Ele se alegrava mais com uma maça do que parte do meu povo se alegra com uma grande festa. Ele foi fiel com tudo que lhe dei, embora não tenha sido muito, em comparação ao que outros receberam, inclusive você. Eu o mostrei a você numa visão porque você passou por ele muitas vezes. Você chegou até mesmo a apontá-lo para um de seus amigos, e falou a respeito dele.

 – Falei? O que foi que eu disse?

 – Você disse: “Eis aí mais um desses Elias que deve ter escapado da rodoviária”. Você disse que ele era um desses “tipos religiosos” que são enviados pelo inimigo para desviar as pessoas do evangelho.

 Este foi o golpe mais duro que até então eu tinha recebido em todas as situações  que eu tinha enfrentado. Eu fiquei mais do que chocado. Eu estava horrorizado. Procurei lembrar-me especificamente daquele incidente, mas não pude, mesmo porque tinha havido muitos outros casos em minha vida que lhe eram semelhantes. Eu nunca tinha tido muita compaixão por pregadores maltrapilhos que me pareciam terem sido especificamente enviados para desviar as pessoas do evangelho.

 – Peço-te perdão, Senhor. Sinto muito mesmo pelo que fiz.

  – Você está perdoado – respondeu-me ele depressa. – E você tem certa razão. Há muitos que ficam pregando o evangelho nas ruas com intenções erradas, até mesmo pervertidas. Mesmo assim, muitos há que são sinceros, mesmo não tendo nenhum preparo, mesmo não tendo escolaridade. Não julgue pelas aparências. Há tantos servos verdadeiros que tem a mesma aparência deste quanto há entre os refinados profissionais nas grandes catedrais e nas grandes organizações que os homens construíram em Meu nome.

Então ele me fez um sinal para que olhasse para Ângelo. Quando olhei,  ele tinha descido os degraus de seu trono e estava bem a minha frente. Ele abriu os braços e me deu então um forte abraço, e beijou a minha testa como um pai. Amor foi despejado sobre mim e dentro de mim a tal ponto que senti iria sobrecarregar o meu sistema nervoso. Quando finalmente ele se afastou de mim eu fiquei cambaleando como se estivesse bêbado, mas era algo maravilhoso o que eu estava sentindo. Era amor dum modo como eu nunca tinha experimentado.

 – Ele poderia ter lhe transmitido isso na terra – prosseguiu o Senhor. – Ele tinha muito o que dar ao meu povo, mas ninguém se aproximava dele. Até mesmo meus profetas o evitavam. Ele cresceu na fé por ter comprado uma Bíblia e alguns livros que ele não parava de ler. Ele tentou ir a igrejas,  mas não encontrou nenhuma que o recebesse. Se o tivessem recebido, eles teriam recebido a mim. Ele foi a minha batida na porta deles.

 Eu estava aprendendo uma nova definição do que é sentir um pesar.

 – Como foi que ele morreu? – perguntei, lembrando-me de que ele tinha sido um mártir, e achando que quem sabe até mesmo eu tivesse me envolvido nisso.

  – Ele morreu de frio tentando manter vivo um velho que tinha desmaiado sobre o gelo do inverno.

  Olhei para Ângelo e simplesmente não pude acreditar quão duro o meu coração era. Mesmo assim, não entendi como aquilo o tinha tornado um mártir, pois pensava que mártir seria um título reservado apenas para os que tinham morrido por não negarem o seu testemunho.

  – Senhor, sei que ele é verdadeiramente um vencedor – observei. – E que é plenamente justo ele estar aqui. Mas os que morrem do jeito que ele morreu são todos considerados mártires?

 – Ângelo foi um mártir em todos os dias em que viveu. Ele fazia para si mesmo o que bastasse para mantê-lo vivo, e com alegria ele sacrificou a sua vida para salvar um amigo necessitado. Como Paulo escreveu aos coríntios, mesmo que você dê o seu corpo para ser queimado, mas se não tiver amor, isso nada valerá. Mas, quando você se der com amor, isso vai valer muito. Ângelo morreu a cada dia  porque ele não vivia para si mesmo, mas para os outros. Enquanto na terra ele considerava  si mesmo o menor dos santos, mas ele foi um dos maiores. Como você já aprendeu, muitos dos que se consideram, e que são considerados por outros como o maior de todos, acabam sendo o menor de todos aqui. Ângelo não morreu por uma doutrina, ou até mesmo por causa do seu testemunho, mas ele morreu mesmo por mim.

 – Senhor, peço-te que me faças lembrar de tudo isso. Não me deixes esquecer de nada do que estou vendo aqui, quando eu retornar – implorei.

 – É por isso que eu estou aqui, e eu estarei quando você retornar. Sabedoria é ver com os meus olhos, e não julgar pelas aparências. Eu lhe mostrei Ângelo numa visão para que você reconhecesse quando passasse por ele pela rua. Se você tivesse compartilhado com ele o conhecimento que você tinha recebido quanto ao passado dele, que lhe mostrei na visão, ele teria dado a sua vida para mim então. Você teria então a oportunidade de discipular esse grande rei, e ele teria causado um grande impacto em minha igreja. Se o meu povo olhasse as pessoas como eu as vejo, Ângelo e muitos outros como ele teriam sido reconhecidos. Eles se exibiriam nos maiores púlpitos, e o meu povo viria dos fins da terra para sentar-se aos pés deles, porque ao fazerem isso eles estariam sentando-se a meus pés. Ângelo lhe teria ensinado com amor, e como investir os dons que eu dei a você, e de forma a produzir muitos frutos.

  Tanta era a minha vergonha que eu não queria nem mesmo olhar para o Senhor, mas finalmente  me virei para ele ao sentir a dor que me levava para o egocentrismo de novo. Quando olhei para ele fiquei virtualmente cego por sua glória. Levou algum tempo, mas gradualmente meus olhos se ajustaram, de modo que pude vê-lo.

 – Lembre-se de que você foi perdoado – disse ele – Não estou lhe mostrando tudo isso para condená-lo, mas para ensiná-lo. Lembre-se sempre de que a compaixão removerá os véus da sua alma mais rapidamente do que qualquer outra coisa.

  Quando começamos a caminhar de novo, foi Ângelo quem falou:

 – Por favor, lembre-se dos meus amigos, os desabrigados. Muitos deles amarão o nosso Salvador se forem alcançados por alguém.

  Suas palavras tinham tanto poder em si mesmas que eu fui compelido a responder, e assim disse que sim com a minha cabeça. Eu sabia que aquelas palavras eram o decreto de um grande rei, e de um grande amigo do Rei dos reis.

  – Senhor, me ajudarás a socorrer os desabrigados?

  – Ajudarei a quem quer que os ajude – respondeu ele – Quando você amar aqueles a quem eu amo você sempre conhecerá o meu amor. As pessoas receberão o Consolador segundo a medida do amor que tiverem. Muitas vezes você pediu mais da minha unção; e é dessa forma que você a receberá. Ame aqueles que eu amo. Ao amá-los, você estará amando-me. Ao dar qualquer coisa a eles, você estará dando a mim, e eu retribuirei, dando muito mais.

 Na minha mente veio então a imagem da minha boa casa e de todas as demais coisas que eu possuo. Eu não sou uma pessoa rica, mas pelos padrões do mundo eu sabia que vivia muito melhor do que reis de um século atrás. Nunca tinha sentido culpa alguma pela minha situação, mas agora eu senti. De alguma forma era um bom sentimento, mas ao mesmo tempo não me parecia certo. De novo olhei para o Senhor, sabendo que ele me ajudaria.

– Lembre-se do que lhe disse sobre como a minha perfeita lei do amor tornou a luz distinta das trevas. Quando vem à nossa mente uma confusão, tal como esta que você está sentindo agora, você sabe que o que você está sentindo não é a minha perfeita lei do amor. Eu tenho prazer em dar a minha família boas dádivas, da mesma forma como acontece com você em relação a seus familiares. Eu quero que vocês desfrutem delas e as apreciem. Vocês apenas não deverão adorá-las: compartilhem essas dádivas com os outros, liberalmente, quando eu os chamar a fazer isso. Eu poderia acenar e remover instantaneamente toda a pobreza da terra. Haverá um dia de acerto de contas, quando as montanhas e os lugares elevados serão postos para baixo, e os pobres e oprimidos serão levantados, mas eu devo fazê-lo. A compaixão humana é tão contrária a mim como o é a opressão humana. A compaixão humana é usada como um substituto ao poder da cruz. Não chamei vocês para o sacrifício, mas para a obediência. Algumas vezes vocês terão que sacrificar para obedecer-me, mas se o seu não for feito em obediência, ele nos separará.

 Extraído do livro: A batalha final – de Rick Joyner. 

Esse post foi publicado em Sem categoria. Bookmark o link permanente.

Deixe um comentário